Esta história estremecerá até o pitbull de bordel, uma sub-raça do chihuahua mexicano, com delírios intensos que o fazem se achar ameaçador e valente, mas é apenas uma subespécie que se caracteriza pela covardia e fanfarronice. O ano do ocorrido foi 2013, eu costumava frequentar as pradarias de Nova Iguaçu e explorar com o Sucatão todo o potencial da garota dos olhos da Baixada Fluminense. Foi um tempo de grandes aventuras e inestimáveis descobertas.
Certo dia, uma gordinha que atuava como cafetina informal da região me passou o contato de uma negra que ela afirmava ser o suprassumo do sexo e da sensualidade. Não levei muita fé, mas uma semana depois fiz contato. Conversamos um pouco e a menina me passou as coordenadas de um chat para que eu pudesse ver suas fotos. Adicionei e prosseguimos pela conversa virtual. O rosto realmente parecia respingar sensualidade na tela, quando ela me enviou a foto de corpo inteiro, a Tijuca estremeceu. A negra surgiu na fotografia como um colosso de mulher. Pasmei. Um corpo curvilíneo, seios em formato de pera e uma bunda de capa de revista. Marcele seu nome. Sem querer perder mais tempo, perguntei como poderíamos nos encontrar, ela disse que estava sem dinheiro e só seria possível se eu fosse buscá-la próximo de sua casa.
– Onde? – Perguntei.
– Pode ser na entrada da Quitanda.
– Onde?! – Repeti.
– Na entrada da favela da Quitanda, em Costa Barros.
Acredite, Forista sem fé, tudo que vem fácil é somente o simulacro camuflando um número infinito de dificuldades que irão nos desafiar. Sinceramente, eu não sabia como chegar no local, pedi umas dicas a garota, consultei o velho Guia-Rex que guardo no porta-luvas do Sucatão, mas acabei procurando pelo Google. A Via-Light ficou como a melhor referência. O encontro seria num bar entre um posto da BR e a entrada da favela, após atravessar a linha do trem. Sim, afeiçoado forista, um libertino pensa nos prazeres da carne antes dos cuidados com a vida. Partimos, eu e o Sucatão. O carro parecia tremer de hesitação em alguns momentos da jornada, mas prosseguimos determinados a fincar bandeira naquele rabo dionisíaco.
Não sei dizer como cheguei ao ponto de encontro. Mesmo munido de mapas, instruções e GPS, tudo ainda me soa nebuloso na memória. Talvez, alguns digam que foi sorte do navegante, mas eu diria que foi azar. Constatei que estava no caminho correto ao atravessar a tal linha de trem (trilhos perdidos no meio do nada). O ambiente era sombrio, a luz se limitava a penumbras, tudo transpirava a ideia de perigo. Fui em frente.
Avistei o posto da BR e rodei mais alguns metros em direção ao bar oferecido como referência. Não era um bar, estava mais para birosca de beira de pista. Estacionei o Sucatão num recuo e logo fui abordado por um adolescente com radinho na mão que chiava mais alto do que os guizos de uma cascavel. Ouvi primeiro os guizos, depois a voz do moleque.
“Schhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh…”
– Vai de que, chefia? Vai de quê? – A voz do sujeito era estridente e intercalada pela estática do walkie-talkie.
“Schhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh…”
– Vou de nada, não, companheiro. Vim pegar uma menina.
– Aproveita, chefia. Hoje o bagulho tá doido. Daqui a pouco os homi tão aí.
“Schhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh…”
A estática repetida do radinho começava a se assemelhar a uma técnica de tortura.
– Não, parceiro. Só vim pegar uma garota mesmo.
Neste ponto, desci do carro e olhei o cenário ao meu redor. Escuro, difícil visualizar com nitidez, eu via vultos e uma paisagem que parecia ter sido atingida por uma bomba. De repente, forçando os olhos, avistei mais à frente um rapaz sem camisa que portava um fuzil maior do que ele. Deduzi pelo fuzil, pelo moleque do radinho e pela tormenta da estática que eu provavelmente estava em cima ou próximo a uma boca de fumo. Senti uma gota de suor frio e suicida me escorrer da testa e se lançar num salto mortal da ponta do meu queixo. Fiquei apreensivo, que é introdução do sentimento de pavor. Onde estava a negra? Não chegava. Num ato impensado, puxei o celular para contatar a menina, não tinha sinal.
– Tá esperando quem mesmo, chefia? – O garoto do radinho tinha alma de carrapato.
“Schhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh…”
– Marquei com uma menina aqui.
– Mina da Quitanda? – Quitanda, um nome tão singelo para aquele meu momento de trevas, pensei.
– É. Ela mora aqui.
– Qual nome? – Sim, estimado forista, o pivete era chato.
“Schhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh…”… – Não se ouvia nenhuma voz brotar do radinho, apenas o festival sinistro da estática.
– Marcele é o nome dela.
– Conheço não. Mas se é mina da Quitanda, é boa.
De repente, emergindo das sombras e iluminada por breves e pálidos reflexos da precária iluminação, surge Marcele entubada num vestidinho branco e imoral. Aproximou-se, os bicos dos seios pressionavam o tecido do traje. Quando consegui enxergar seu rosto, reparei os olhos de ressaca. Ao beijá-la, meu apurado olfato detectou o aroma de ervas.
– Demorei, ném? – A palavra “ném” é uma espécie de “abracadabra” invertido. “Ném” é a senha que faz broxar qualquer guerreiro. Mas relevei, a moça tinha o porte de gostosa como nas fotos. Uma potranca.
– Chefia, já que não vai levar nada, deixa um troco aí pro sobrinho. – O demônio do terceiro círculo do Inferno ainda estava ali. Puxei umas moedas do bolso e deixei cair na mão espalmada do infeliz.
– Pô, chefia! Moedinha?! Aí é esculacho.
“Schhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh…”